Estudos recentes revelam diferenças no desempenho de estudantes cotistas e não cotistas, desafiando a ideia de igualdade entre os dois grupos

A política de cotas nas universidades brasileiras foi implementada para garantir acesso a grupos historicamente marginalizados, como negros, pardos, indígenas e alunos de baixa renda.
Desde sua adoção pela Universidade de Brasília (UnB) em 2003, a prática se expandiu para se tornar obrigatória em todas as universidades federais, com a reserva de 50% das vagas para ações afirmativas.
A legislação, atualizada em 2023, agora inclui também alunos com deficiência. Embora a política tenha sido defendida como uma forma de promover igualdade, estudos recentes levantam questões sobre as diferenças de desempenho entre cotistas e não cotistas.
Desempenho acadêmico de cotistas nas universidades brasileiras
Em várias universidades, a comparação entre cotistas e não cotistas tem mostrado que, embora o sistema de cotas tenha democratizado o acesso ao ensino superior, o desempenho acadêmico dos cotistas ainda está aquém do dos não cotistas em muitos casos.
Vários estudos realizados entre 2023 e 2024 analisaram as diferenças de rendimento acadêmico em diferentes instituições de ensino superior. Um levantamento feito na Universidade Federal de Viçosa (UFV), por exemplo, revelou que os cotistas apresentaram, em média, mais reprovações do que os alunos não cotistas.
Os dados, referentes ao período de 2016 a 2020, indicaram que os cotistas foram reprovados em 5,37 disciplinas em média, enquanto os não cotistas tiveram uma média de 4,62 reprovações. A discrepância foi mais pronunciada entre os alunos que ingressaram com cotas voltadas para a população negra e indígena, com uma média de 5,99 reprovações.
O que dizem outros estudos
Outro estudo, realizado na Universidade Federal de Goiás (UFG), acompanhou o desempenho de mais de 11 mil estudantes e observou uma diferença de notas entre cotistas e não cotistas ao longo do tempo.
Em 2022, a média dos cotistas foi de 7,07, enquanto a dos não cotistas foi de 7,44. Essa diferença se acentuou ao longo dos anos, aumentando de 0,16 ponto em 2016 para 0,49 ponto em 2022.
Segue abaixo uma tabela com o resumo dos dados brutos (sem interpretação)coletados nos diversos estudos consultados:
Universidade | Cotistas | Não Cotistas | Diferença de Desempenho |
Universidade Federal de Viçosa (UFV) | Média de 5,37 reprovações, CRA de 52,3 | Média de 4,62 reprovações, CRA de 53,7 | Reprovações: +0,75, CRA: -1,4 |
Universidade Federal de Goiás (UFG) | Média de 7,07 (Nota Global 0-10) | Média de 7,44 (Nota Global 0-10) | Diferença de 0,37 pontos |
Universidade Estadual Paulista (Unesp) | 8,31 no curso de Medicina (cotistas) | 8,45 no curso de Medicina (não cotistas) | Diferença de 0,14 pontos |
Universidade de Brasília (UnB) | IRA de 4,11 (alunos de baixa renda e negros) | IRA de 4,17 (estudantes do sistema universal) | Diferença de 0,06 pontos |
Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) | Cursos com cotas: Nota 4,6% inferior | Cursos sem cotas: Nota 4,6% superior | Diferença de 4,6% |
Fatores Que Influenciam o Desempenho dos Cotistas
Os estudos apontam que a renda familiar e o tipo de escola onde os alunos se formaram antes de ingressar na universidade têm um grande impacto no desempenho. Por exemplo, na Universidade Estadual Paulista (Unesp), no curso de Medicina, os alunos que ingressaram com cotas raciais apresentaram desempenho inferior ao dos alunos que vieram do sistema universal.
Já os alunos vindos de escolas públicas, mas sem cotas raciais, tiveram um desempenho semelhante ao dos alunos não cotistas. A modalidade de cotas também tem um papel importante nas diferenças de rendimento.
Na UFV, por exemplo, os cotistas das modalidades que englobam alunos de escolas públicas e baixa renda (principalmente os pretos, pardos ou indígenas) apresentaram desempenho inferior em relação aos que ingressaram por cotas de renda, mas sem a exigência de pertencimento racial.
Em resumo, os grupos mais vulneráveis tendem a ter um desempenho acadêmico mais desafiador.
Desafios e perspectivas para o futuro
A política de cotas foi um passo importante para tornar o ensino superior mais acessível, mas os desafios continuam. O desempenho inferior de muitos cotistas tem gerado questionamentos sobre a eficácia do sistema e os fatores estruturais que ainda precisam ser abordados para garantir que todos os alunos, independentemente de sua origem, tenham as mesmas oportunidades de sucesso.
A pesquisa mais recente do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) confirmou que os cursos com ações afirmativas tiveram, em média, notas mais baixas do que os cursos que adotam a seleção por mérito.
Embora o estudo indique que os cotistas também podem superar essa diferença ao longo do tempo, ele levanta uma questão fundamental: será que o sistema de cotas está de fato promovendo a igualdade de oportunidades ou criando desafios adicionais para quem ingressa nas universidades com base em ações afirmativas?
Uma política bem-sucedida de inclusão
Apesar das dificuldades enfrentadas por cotistas em termos de desempenho acadêmico, é inegável que o sistema de cotas contribuiu para um avanço na inclusão de grupos historicamente marginalizados no ensino superior.
No entanto, a sociedade precisa repensar como aprimorar as políticas públicas para garantir que os alunos que ingressam por ações afirmativas tenham suporte suficiente para atingir seu potencial acadêmico máximo, sem que as diferenças de desempenho entre cotistas e não cotistas sejam tão acentuadas.
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